sábado, 27 de março de 2010

História do Ratinho

Era uma vez um ratinho, um ratinho bonitinho e fofinho, daqueles branquinhos e de orelhinhas grandes. É... era um ratinho muito especial, mas ele não sabia disso. Sentia-se diferente dos outros ratinhos do laboratório só porque seu rabo era centímetros mais curto sem se dar conta, porém, que seus olhos eram tão, tão vermelhos e assustados quanto de seus companheiros.
Uma noite, passeando pelo laboratório, percebeu um pequeno volume intitulado “42”. Curioso pelo título, com muito esforço, abriu o livro e colocou-se a ler. Porém, não entendia muito bem a escrita humana, e parecia haver muitos termos específicos, o que dificultava ainda mais o trabalho. Imaginando haver uma forma mais fácil de absorver o conteúdo literário, devorou páginas e páginas, deixando por vezes uma mordida em uma, uma página arrancada em outra, até perceber que aquela história não o preenchia.
Qual foi a balbúrdia na manhã seguinte quando o rato do conselho adentrou na gaiola com os restos do livro que acabara de adquirir da biblioteca dos humanos. Era sua grande conquista, e estava ele devorado. Destroçado.
E de quem era a culpa? Não se admitia temendo um castigo cruel. Um pouco apreensivo, após alguns segundos de tensão, nosso ratinho confessou a culpa, dando seus argumentos plausíveis. O conselho era formado pelos mais variados tipos de ratos, desde ratos voluntários em projetos de neurociências até aqueles que só esperavam a hora de serem dissecados. Como a confusão pertencia a um único membro do conselho, este tinha o poder de julgar sozinho.
Resolveu, pois absolvê-lo, advertindo-o que livros não deveriam ser comidos, pois serviriam para alegrar alguém em algum momento específico. Temendo que o rato-conselheiro voltasse atrás em sua decisão, desculpou-se e comprometeu-se a não mais fazer aquilo.
No entanto, devorar o livro foi algo que lhe causou extremo prazer, e por vezes sentia-se preenchido com os livros que degustava escondido na biblioteca da universidade. Até que um dia foi descoberto.
Sem saber o que fazer, fez-se de dormindo, como sonâmbulo, despertando os cuidados de seu melhor amigo, que passou a passar noites e noites em claro, vigiando o amigo, pois sabia que se ele fosse pego atacando a biblioteca novamente estaria encrencado.
O rato, porém, era muito engenhoso e caprichoso, e desejava continuar sua leitura tão efusiva. Convenceu o amigo de que ele iria apenas ler, ver as figuras ou somente estar naquele ambiente que o deixava tão contente. Inocente, o amigo permitiu que o ratinho se achegasse à biblioteca, vigiando caso chegasse alguém. Acontece que no meio da aventura, apareceram na biblioteca algumas ratazanas, conhecidas do nosso protagonista, e estes o convenceram de devorar pelo menos um último livro, como forma de despedir-se.
Temendo ser rechaçado pelos colegas, assim ele fez, no entanto fora descoberto. Como por instinto, fez-se passar pelo amigo, e como estava escuro ninguém percebeu a diferença. O amigo que outrora cuidava dele, estava agora marcado em sua comunidade, desacreditado, e pior de tudo, perdera o acesso ao que mais gostava, a literatura, enquanto o outro, não só retomara o acesso à biblioteca como também o direito de frequentar a área vip.
Viu o amigo sofrer as consequências de seus próprios atos e nada fez, ao contrário, sentiu-se bem, sentiu que era respeitado e aprovado pelo grupo, por ser visto como regenerado, como bom rato, como melhor que o outro que agora era discriminado.
E essa pseudossensação de vitória o fazia sentir-se cada vez melhor, e queria ver isso acontecer novamente – o ar de vitória – e sem importar-se com as consequências ia cada vez mais deteriorando a imagem de seus iguais, tirando-lhes aquilo que mais gostavam e tomando pra si, para que todos pudessem ver e parabenizá-lo com orgulho.
Acontece que não muito tempo depois, fora transferido do laboratório de fisiologia um rato novo, e este não possuía olhos vermelhos e assustados. Seus olhos eram negros, e denotavam muita coragem. Isso incomodou muito o rato... de qualquer forma, ele queria tirar-lhe o ar de coragem e segurança do novato, mas não suspeitava que seria mais difícil do que ele imaginava.

___***___

Pois é. Não sairá deste pequeno conto o fim da história, ao contrário, cabe a cada um desejar o fim que achar mais digno. Se o ratinho perderá essa batalha, ganhará, se redimirá, cometerá suicídio ou for para dissecação, ou qualquer outro fim. É seu.

0 olhar(es):